Vamos retomar algumas idéias:
Estamos tratando aqui a educação patrimonial a partir de duas perspectivas centrais: por um lado, temos a educação patrimonial conservadora, e por outro, a educação progressista.
Visando dar continuidade ao que foi desenvolvido na aula anterior, analise o quadro intitulado “A Primeira Missa no Brasil”: http://rceliamendonca.wordpress.com/tag/primeira-missa-no-brasil/
("Meirelles-primeiramissa2" por Victor Meirelles - User:Tetraktys. Licenciado sob Domínio público, via Wikimedia Commons - http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Meirelles-primeiramissa2.jpg#/media/File:Meirelles-primeiramissa2.jpg)
Aproveite para dar uma olhada nesta notícia: Primeira missa no Brasil, de Victor Meirelles, chega a Brasília para exposição - http://www.museus.gov.br/a-primeira-missa-no-brasil-de-victor-meirelles-chega-a-brasilia-para-exposicao/
O quadro intitulado "A Primeira Missa do Brasil", de Victor Meirelles, é bastante conhecido do público em geral, estando presente na maior parte dos manuais de ensino de história comumente usados no Brasil. O quadro nos remete ao encontro entre portugueses e nativos, tendo como base a Carta de Pero Vaz de Caminha.
Aliás, você sabia que a carta só foi encontrada no século XIX, não muito distante da época em que Meirelles pintou sua obra mais famosa? Tanto o quadro quanto a carta, são considerados monumentos, patrimônios nacionais, e nos apresentam uma leitura, ou uma visão, da fundação do Brasil. Nota-se uma concepção de superioridade dos portugueses, em especial no que se refere a sua religiosidade. Perceba que os nativos e os europeus aparecem separados, e que a cruz está ao centro. Os nativos confundem-se com a selva, enquanto suas expressões indicam um misto de surpresa e reverência.
Agora. veja o quadro intitulado “Desembarque de Cabral em Porto Seguro”, acessando o site http://www.brasil.gov.br/old/copy_of_imagens/linha-do-tempo/linha-do-tempo-historia/desembarque-de-pedro-alvares-cabral-em-porto-seguro-em-1500/view , ou ainda o site http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_%C3%81lvares_Cabral#mediaviewer/File:Oscar_Pereira_da_Silva_-_Desembarque_de_Pedro_%C3%81lvares_Cabral_em_Porto_Seguro_em_1500.jpg
("Oscar Pereira da Silva - Desembarque de Pedro Álvares Cabral em Porto Seguro em 1500" por Oscar Pereira da Silva - Obra do próprio. Licenciado sob Domínio público, via Wikimedia Commons - http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Oscar_Pereira_da_Silva_-_Desembarque_de_Pedro_%C3%81lvares_Cabral_em_Porto_Seguro_em_1500.jpg#/media/File:Oscar_Pereira_da_Silva_-_Desembarque_de_Pedro_%C3%81lvares_Cabral_em_Porto_Seguro_em_1500.jpg)
Este quadro, de Oscar Pereira da Silva, Exposto no Museu Paulista, também representa o encontro entre portugueses e nativos americanos, e também é considerado um patrimônio cultural brasileira. Aqui é apresentado uma distinção entre civilização (portugueses) e barbarie, ou natureza (nativos). Veja como a praia aparece como limite entre as duas realidades, que estão prestes a se encontrar.
Nos dois casos apresentados, temos exemplos de uma Educação Patrimonial Conservadora, indicando a superioridade de um povo ou uma nação, os portugueses, e de uma religião, o catolicismo.
Agora veja duas obras do modernista Cândido Portinari, quie nos ajuda a questionar a perspectiva adotada:
- A Primeira Missa no Brasil - http://www.museus.gov.br/wp-content/uploads/2013/01/primeiramissa_portinari.jpg . Veja ainda matéria publicada no site do IBRAM: http://www.museus.gov.br/tag/primeira-missa/
Atente-se ainda ao seguinte comentário:
Você deve ter pesquisado e visto os dois quadros sobre a primeira missa no Brasil, um de Victor Meirelles e o outro de Cândido Portinari. De escolas diferentes, os quadros têm traços, cores, formas distintos. O que chama a atenção é que o quadro de Cândido Portinari não tem índios. Ou seja, a interpretação que ele dá para o acontecimento do dia primeiro de Maio de 1500 é diferente daquela feita por Victor Meirelles. A análise das Condições de Produção das duas obras dá visibilidade a esta diferença. Victor Meirelles havia lido a carta de Pero Vaz de Caminha. Cândido Portinari, por outro lado, volta ao fato em 1948, mais de cem anos depois de Victor Meirelles. Portinari estava comprometido com discursos que não tratavam a relação dos portugueses com os índios que Meirelles interpretara como harmônica.
Fonte: http://objetoseducacionais2.mec.gov.br/bitstream/handle/mec/17641/consid.html?sequence=28
Agora, vá até o BLOG Extra Sala, e faça um comentário: o que distingue as obras de Portinari das de Victor Meirelles e Oscar Pereira da Silva? Para ter acesso, clique no link http://extra-sala.blogspot.com.br/2014/12/analise-o-quadro-intitulado-primeira.html
Mas, afinal, o que caracteriza a Educação Patrimonial Conservadora? Como dito anteriormente, podemos defini-la como:
- universalizante e homogeneizante: pressupõe uma identidade e uma memória, imposta pelos detentores do saber sistematizado e oficial;
- é integralizante: não há possibilidades de identificação de outros espaços ou manifestações;
- está focada em um caráter público do patrimônio, vinculado ao Estado e aos grupos dominantes;
- tende a rejeitar outras tradições ou valores.
- propõe uma única possibilidade para o conhecimento, com foco na preservação e não na apropriação e interpretação;
- é exteriora, ou seja, não favorece multiplicidade de memórias, sendo assim
- impositiva e obrigatória.
É o caso dos quadros de Victor Meirelles e Oscar Pereira da Silva:
- são universalizante, pois apresentam uma versão do encontro, sem apresentar os conflitos e as contradições inerentes a este momento histórico;
- são integralizante, pois não permite a identificação de outras versões, que não a tida como "oficial", e assim, "verdadeira". Desta forma, acaba por rejeitar outras possibilidades, outras versões, tradições ou valores.
- Neste caso, acaba por apresentar-se exteriora a grande parte da população, que não se identifica como parte do processo apresentado, na medida que não se coloca a possibilidade de leituras e itnerpretações;
- indicando a existência de apenas uma possibilidade interpretativa, que leva a um discurso voltado para a preservação e não para a apropriação.
É claro que esta perspectiva pode ser superada, a medida que as criticas a este modelo interpretativo começam a ser feitas e que outros olhares, leituras e possibilidades começam a ser considerados.
Um dos casos que mais chamam atenção neste processo de construção de um patrimônio nacional é Minas Gerais, tida como lugar representativo de uma memória nacional, de uma identidade marcada pela riqueza e pela continuidade colonial com viés republicano. É interessante pensarmos no processo de construção (ou de invenção) da cidade como símbolo histórico, afinal enquanto o nordeste represetava a riqueza e a grandeza colonial, o sudeste representava o poder e a riqueza republicana, sendo assim fundamental a eleição de uma cidade da região para ser considerada um patrimônio nacional.
Além do nordeste e do sudeste, encontramos na região sul do Brasil uma série de cidades que poderíamos considerar como "históricas", por preservar características de um passado colonial. Porém estas não possuiam o mesmo valor na constituição de uma identidade nacional, ficando em segundo plano nas discussões em torno do Patrimônio Histórico e nas Rotas Turísticas. O certo é que a região sul, em diversos momentos, representara uma ameaça para a unidade nacional, como nos casos da Guerra dos Farrapos, no século XIX, e da Revolução Federalista, já na república, o que ajuda a entender o motivo de que, mesmo com a ascensão de um Presidente Gaúcho, no caso Getúlio Vargas, os olhares continuarem voltados para o sudeste.
Vejamos alguns exemplos:
Digite, no Google Maps, “Centro Histórico de Morretes” / “Centro Histórico de Paranaguá” / “São Francisco do Sul” / “Rua da Independência São Leopoldo”.
É possível perceber, nos casos acima, que os elementos de memória continuam ser os que representam as elites locais, como casarios, casarões, igrejas e fortes. Ou seja, apesar de ocuparem um lugar secundário na construção da memória nacional, tem papel central quando se trata do fortalecimento de uma identidade local ou regional, estando ainda vinculados a uma perspectiva tradicional em relação ao patrimônio.
A questão do patrimônio como elemento que representa a unidade da nação e o ocultar de conflitos ganha importância no Estado Novo, quando Ouro Preto passa a ser considerada monumento nacional. No mesmo ano que se institui o Estado Novo, em 1937, é criado o Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - SPHAN, que definiePatrimônio Histórico como:
"(...) conjunto de bens móveis e imóveis (...) cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico”.
Este é o momento de afirmação do Estado em detrimento do federalismo, quando se reforça os cultos dos símbolos nacionais, com as Escolas de Samba sendo obrigadas a tratarem de temas nacionais e quando Ary Barroso torna-se um dos mais importantes compositores brasileiros, com músicas que visavam exaltar não apenas da natureza, mas do povo brasileiro.
Lembra da música, citada na aula anterior? https://www.youtube.com/watch?v=yyhPL2Q_Bog
Esta música nos apresenta uma visão positiva do Brasil, um país de belezas sem igual, com um povo unido, em torno de um projeto nacional. É um samba exaltação, que atende perfeitamente os interesses do Estado Novo.
Lembra da visão dos estúdios Disney em relação ao Brasil?
Com a modernização e o desenvolvimento urbano, novas formas culturais ganham campo, como o cinema, o teatro e a televisão, marcada pela fundação da TV Tupi, em 1950, com forte influência da cultura norte americana, representada principalmente pelos estúdios Walt Disney. Estes, visando aproximar-se do Brasil, criaram o personagem Zé Carioca, representante brasileiro da turma Disney. Os estúdios utilizam-se aqui de elementos que marcariam a identidade brasileira, como a música de Ary Barroso e as referências em relação a Carmem Miranda.
Levando em consideração que a sociedade brasileira é marcada por uma diversidade social, cultural e étnica, que pressupõe histórias, memórias, olhares e assim, patrimônios, como podemos pensar em uma perspectiva única e elitista em relação ao patrimônio?
Até a próxima.
Comentário postado!
ResponderExcluirEloyr Pacheco